Ceci n'est pas un blog

19.4.05

(versão original, não editada, do texto publicado no suplemento Computadores do Público de 18 de Abril de 2005)

A responsabilidade civil nos blogues
Como combater a cobardia electrónica?

Pedro Fonseca
Quem é responsável e pode ser criminalizado pelos conteúdos disponibilizados nos blogues? A questão foi recentemente respondida por Hugo Lança Silva, docente na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Beja, na Verbo Jurídico (www.verbojuridico.net).
Sob o título ?O Direito no mundo dos blogues: Aproximação à problemática numa perspectiva da responsabilidade civil pelos conteúdos?, começa por explicar a dificuldade em caracterizar o que é um blogue, ?realidade recente em constante mutação, arisca e de contornos indefinidos?.
Os conteúdos destes diários em formato electrónico, alojados em servidores de ?Internet Service Providers? (ISPs ou fornecedores de acesso à Internet), propiciam ?uma teia de interligações? e funcionam ?num espírito comunitário, um clube privado, ainda que acessível aos curiosos?.
Para o docente e numa ?perspectiva jurídica?, existe um ?paralelismo? entre os blogues e as ?homepages? pessoais tendo em conta que são ?um primado do autor, responsável pela criação, manutenção e disponibilização de conteúdos?. Esta posição é realçada pela ?possibilidade de atribuir a autoria do [blogue ou sítio Web] a uma pessoa determinada, que gere o sistema, devendo assumir a responsabilidade pelos conteúdos disponibilizados?.
Hugo Silva foca-se na responsabilidade civil dos blogues, salientando poder ser extrapolada para outros ?ambientes cibernáuticos?, e lembra o ?analfabetismo informático? como ?propulsor de ilicitudes, facilitadas pelo diminuto grau de cuidado dos utilizadores da Internet, motivados por uma pretensa sensação de segurança, decorrente de ?navegarem? pelo mundo confortavelmente sentados nos sofás das suas casas?.
Aponta ainda o problema da Internet estar sujeita a um ?carácter global? e ?perante relações pluri-localizadas? em que ?a existência de normas jurídicas de molde a evitar e contrariar conflitos é uma inevitabilidade?. Isso passa por adaptar as ilegalidades ?online? à jurisprudência e, no caso da responsabilidade civil (há também a criminal) e potencial indemnização, ter em conta ?a verificação cumulativa de cinco requisitos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao agente, o dano e, por fim, o nexo de causalidade entre o facto e o dano?.
Uma das principais questões é a ?noção de conteúdos ilícitos? que podem ser ?mensagens difamatórias, injuriosas ou susceptíveis de atentar contra o direito à vida privada, as mensagem publicitárias contrárias às regras publicitárias ou às regras que asseguram a defesa do consumidor ou a leal concorrência entre empresas, a utilização indevida de sinais distintivos de produtos, estabelecimentos ou empresas ou a utilização indevida de outros elementos protegidos pela propriedade intelectual? .
É ainda necessário existir uma actuação com ?dolo ou negligência?, sendo que a inimputabilidade só é garantida pela lei aos menores de sete anos ou em casos psíquicos.
?Relativamente à colocação de conteúdos ilícitos na rede, as mais das vezes, o agente actua com culpa, não ignorando que os mesmo[s] sendo ilícitos, violam direitos subjectivos? e podem provocar ?prejuízos como os desgostos morais, as dores físicas, o vexame, a perda de prestígio ou reputação que, apesar de não integrarem o património do lesado, devem ser compensados com uma obrigação pecuniária imposta ao agente que cometeu o ilícito?.
Muitas vezes, a colocação deste tipo de conteúdos é feita de forma anónima, uma ?das mais imponentes marcas da Internet? e ?propulsor para o surgimento de condutas lesivas?. No entanto, o autor não defende a eliminação do anonimato na Web por existirem várias ?razões legítimas para o utilizador querer permanecer anónimo?, sustentado no ?direito inalienável? de se ?consultar sítios eróticos, brincar em ?chats?, ler revistas do coração, blogues de políticos, sítios humorísticos ou quaisquer conteúdos que nos aprouverem, com a total privacidade oferecida pelo anonimato?.
Esta defesa da privacidade não se alonga aos ISPs, que devem ser responsabilizados pelas ?violações legais no âmbito do comércio electrónico, a colocação em sítios próprios de conteúdos ilícitos, a violação da privacidade do correio? ou de direitos de propriedade intelectual.
Já na responsabilidade sobre os conteúdos disponibilizados por terceiros e alojados em servidores, entendidos como ?participantes forçados nas actuações ilícitas na rede; participantes, porque fornecem os meios técnicos e as infra-estruturas que possibilitam a prática do ilícito; forçados, porque, as mais das vezes, desconhecem que os conteúdos são ilícitos?, o autor lança várias perguntas: ?quem fornece um serviço de armazenagem de conteúdos a um blogue controla a informação existente no blogue? Tem como controlar? Seria lícito que controlasse?? E responde ?categoricamente que não?.
O docente apresenta ainda uma análise sobre a responsabilização dos ISPs relativamente aos potenciais conteúdos ilícitos disponibilizados, assentes ?em dois factores: um pragmático e um económico?. Este no sentido da detenção de ?uma capacidade económica bastante superior aos autores dos blogues (ou de outros sítios na Internet); pragmático porque a tentativa de perseguição civil (e criminal), tem como motivação directa as dificuldades de responsabilizar os autores dos conteúdos ilícitos, escondidos no anonimato?.
No entanto, lembra como a legislação actual já obriga os ISPs a ?informar as autoridades competentes quando detectarem conteúdos ou actividades ilícitas?, ?identificarem os destinatários com quem tenham acordos de armazenagem?, ?cumprir, pontualmente, as decisões sobre a remoção ou impossibilitar o acesso a determinados sítios? e ?fornece[r] a lista dos titulares dos sítios que alberguem?.
Neste último caso, defende existir ?a obrigação dos fornecedores de armazenagem construírem uma base de dados com a identidade dos proprietários dos blogues, procurando que a informação seja completa e verdadeira?.
Lembra ainda que se deve evitar o paralelismo no controlo dos conteúdos pelos ISPs e operadores telefónicos. É que ?a chamada telefónica é, por definição, privada, enquanto a disponibilização dos conteúdos na rede visa a sua cognoscibilidade pelos utilizadores?. Quando o ISP é informado de conteúdos ilícitos na sua rede, o autor questiona se ele deverá ?bloquear o acesso ou remover os conteúdos quando informado da sua ilicitude? E a quem compete esta intimação? A qualquer pessoa? Aos lesados? Apenas às autoridades judiciais??
Uma fórmula demasiado permissiva pode ?gerar indesejáveis abusos. Sustentar que uma mera denúncia de um eventual interessado é suficiente para a remoção do conteúdo, sem aquilatar da sua ilicitude, poderá promover perigosas práticas de censura?.
Hugo Silva lembra que as ?empresas serão responsabilizadas sempre que não cumpram as decisões judiciais ou administrativas que obriguem a impedir o acesso a determinados sítios na Internet?. Ilegítimo é o ISP retirar conteúdos sem essas decisões, apesar de alguma legislação o permitir mas sendo um preceito que o autor considera ?ferido de inconstitucionalidade?.
Em paralelo, defende que, ?no que concerne ao autor do blogue e tendo como premissa que todos os pressupostos da responsabilidade civil se verificaram num determinado caso, não suscita dúvidas a possibilidade de ser civilmente responsável pelos conteúdos ilícitos colocados no blogue? e também por ter ?o poder de retirar os comentários realizados em determinado blogue?.
Quanto às hiperligações entre blogues ou outras páginas na Web, considera que ?o autor do blogue deverá ser responsabilizado pelas ligações de hiper-texto que coloca no seu blogue?. É que ao disponibilizar estas ligações, o seu autor potencializa a dimensão do dano ?por aumentar o número de pessoas com acesso ao conteúdo ilícito? mas ?sobretudo por dever equiparar-se a sua conduta à criação e disponibilização do conteúdo? dado que ?não apenas conhece o conteúdo ilícito como o utiliza em seu benefício?.
Em síntese, ?a irresponsabilidade desta conduta, fomentaria um inaceitável incremento do ?boato informático?; permitiria aos autores dos blogues, refugiando-se em outros textos, utilizarem a blogosfera para criar e disseminar conteúdos ilícitos, protegidos pela remissão para outros, ficando imunes de uma qualquer responsabilidade, uma verdadeira cobardia electrónica?.
Apesar desta posição, Hugo Silva salienta ?o direito ao anonimato dos blogues como regra mas admitindo uma excepção; se o conteúdo do blogue é ilícito, através do recurso aos meios judiciais, deverá ser permitido ao lesado obter a identificação do autor da lesão, para efeitos de perseguição civil (ou criminal)?.
Nesse sentido, uma outra obra recente vem clarificar vários conceitos legais e explicitar problemas que são coincidentes com esta temática do direito e dos conteúdos disponibilizados em blogues. O ?Guia da Lei do Direito de Autor na Sociedade da Informação? (edição Centro Atlântico), de Manuel Lopes Rocha, Henrique Carreiro, Ana Margarida Marques e André Lencastre Bernardo, pega na lei 50/2004 e comenta as suas virtudes e implicações, nomeadamente no caso da disseminação de ficheiros multimédia sujeitos a direito de autor. Os autores de blogues não estão isentos do conhecimento desta lei.




Entre a possível teoria e a prática

Hugo Lança Silva é o autor de ?O Direito no mundo dos blogues?. Considera que pode existir uma responsabilização de todos os autores ou disseminadores de uma qualquer mensagem ilícita nos blogues.
COMPUTADORES - Como pode um autor ser responsabilizado quando não consegue, em tempo útil, remover comentários colocados no seu blogue?
Hugo Silva - A obrigação do autor não deverá ser remover em tempo útil mas procurar remover no mais curto espaço de tempo o comentário ilícito (excepto quando o mesmo esteja devidamente identificado e esta informação seja verosímil).
A obrigação não é de fins (remover o comentário ilícito) mas de meios (diligenciar para retirar o comentário). Em caso de omissão, ou seja, não retirar o comentário quando existia possibilidade de o fazer (por exemplo, quando o autor do blogue colocou ?post? posteriormente ao comentário), deverá considerar-se a assunção pelo autor do blogue do comentário e a sua consequente responsabilização pelo conteúdo do mesmo.
Por fim, quando o conteúdo ilícito é disseminado em outros blogues, directamente ou por ligação hiper-texto, surge um outro responsável, o autor do blogue em que se retransmite o comentário.

P - A sua posição é igualmente válida para blogues colectivos em que não existe uma identificação pessoal?
R - Nos blogues colectivos existe, via de regra, uma identificação de quem em concreto disponibilizou determinado conteúdo, pelo que é permitida a imputação do facto a um agente em concreto. Quando tal não for possível, a responsabilidade é solidária entre todos os autores do blogue.(numa perspectiva penalista poderão surgir problemas que não se colocam numa perspectiva de responsabilidade civil).

P - No caso de blogues cujos textos são transpostos para meios de comunicação social, todos estes meios são igualmente arguidos quando existe a disseminação de uma mensagem susceptível de procedimento criminal?
R - A transposição de blogues para os meios de comunicação tradicionais levanta delicadas questões. Desde logo, tem-se verificado (alguma) tendência de não identificar a fonte, o que é uma violação aos direitos de autor.
Sobre a questão, a responsabilização deverá abranger todos os que contribuíram para a disseminação pública do conteúdo ilícito; pronunciei-me em concreto sobre a questão entre blogues mas a resposta pode ser extrapolada para outros meios de difusão. Posição contrária consistiria em promover o boato electrónico [que] permitia que um jornalista ao querer difundir uma mensagem ilícita, construísse um blogue anónimo, de forma a reproduzir a informação tendo aquele blogue como fonte, evitando a sua própria responsabilização [e] permitir um branqueamento de mensagens ilícitas.
A responsabilização não é automática: exige-se que se verifiquem todos os outros pressupostos de que a lei faz depender a responsabilização civil ou penal, o que in casu pode não se verificar.

P - Como se podem evitar conflitos legais/jurídicos com os blogues tendo em conta os ?paraísos informáticos??
R - Esta é provavelmente a mais complexa e premente questão da Web. A solução é simples na teoria, quase impraticável na prática. Desde logo requer consciencialização: os ?paraísos? sejam informáticos, fiscais ou criminais são um problema profundamente complexo e que urge solucionar.
Um primeiro caminho são os tratados internacionais plurilaterais, procurando congregar o maior número de países, de forma a resolver os conflitos de jurisdição. Perante a insuficiência prática desta possibilidade, sustento a criação de organismo supranacionais com competência para dirimir conflitos na rede. O que defendo não é inaudito, pense-se no ICANN com competência para regular a atribuição de [registos de nomes de domínio na Internet].
A solução óptima seria a criação de uma legislação informática internacional e de tribunais internacionais com competência específica mas as susceptibilidades específicas dos Estados nacionais não se compadecem com esta possibilidade que, reconheça-se, é bem mais teórica que prática.



Tanto ?chinfrim? por nada?
Paulo Querido é o responsável pelo Weblog.com.pt, o maior serviço de acolhimento de blogues em Portugal, com 150 mil leitores diários e quase uma centena de assinantes pagos. É também editor de livros num sistema ?print on demand?, nalguns casos de escritores de blogues.

COMPUTADORES - Quem fornece um serviço de armazenagem a um blogue deve controlar a informação existente no mesmo e tem como a controlar?
Paulo Querido - Na minha perspectiva, não. Se nenhum prestador de serviços ao público controla a forma como o utilizador os utiliza, ou com que fins, não sendo responsabilizável por isso, não consigo entender tanto chinfrim em torno de um ISP. Dos correios aos telefones passando pelo aluguer de casas ou pelas estradas, a responsabilidade de eventual ilícito é sempre do beneficiário do usufruto, nunca do proprietário do serviço. Os [ISPs] estão até um passo à frente dos seus antepassados pois facultam dados sobre quem usou o quê [e] em que data.
Existem ferramentas de controlo de conteúdos, preventivas e repressoras. Muitos ISPs utilizam-nas.

P - Existe uma diferença entre blogues e fóruns públicos de discussão?

R ? As diferenças técnicas de edição e estruturação das mensagens publicadas não devem ser tomadas em conta por [serem] irrelevantes para a discussão.
Geralmente, mas nem sempre, um blogue é obra de um autor ou de um grupo pequeno de autores, enquanto um fórum pode ter milhares de autores; mas mesmo aqui é complicado estabelecer diferenças porque os leitores de um blogue podem participar nos respectivos conteúdos através das caixas de mensagens. Relevante é a diferenciação na forma como os meios são encarados pela sociedade. Os fóruns e grupos de discussão são minimizados por historicamente virem do ?underground? da Internet, enquanto os blogues são maximizados por estarem na agenda mediática, por serem recentes, por serem moda. Em termos objectivos são porém indistintos: páginas com opiniões e raramente factos, disponíveis em endereços próprios na Web.

P - Como detentor de um serviço de albergue de blogues, é viável a posição de que estes serviços devem ter um registo fiável dos seus utilizadores? Não implica um custo razoável para serviços como o Weblog.com.pt?
R ? Depende do que se entenda por registo fiável. Os actuais registos são viáveis. E, ao contrário do que fazem crer alguns ISPs, a sua manutenção por um período de tempo razoável (seis meses a um ano) implica custos baixíssimos. Já o acesso a tais registos pode ter um custo, embora ínfimo.
Os actuais registos são fiáveis na medida em que são úteis à investigação judiciária. Elaborar outro tipo de registos, com mais informação, implicaria custos elevados. Mas sobretudo irá mexer com aspectos legais, como os direitos fundamentais do indivíduo.

P - Quantas vezes foi obrigado, por via judicial ou administrativa, a divulgar informação sobre autores de blogues ou conteúdos do Weblog.com.pt?
R - Nenhuma, ainda. Já me foi feita uma solicitação sobre autoria de conteúdos mas como até ao momento o solicitante não forneceu elementos imprescindíveis à identificação da página e blogue em causa, não foi possível responder de forma útil.

1.12.04

Trabalho analisa interactividade entre leitores e jornalistas
No Reino do Anonimato
Pedro Fonseca
Segunda-feira, 19 de Maio de 2003


José Pedro Castanheira é jornalista do "Expresso" e analisou os comentários "on-line" dos leitores às notícias publicadas pelo semanário sobre a Fundação Jorge Álvares (FJA), o assunto que mais comentários mereceu dos leitores no ano de 2000. Os dados mais salientes focam o "reino do anonimato" e da desresponsabilização em que os leitores se refugiam, geradores de uma tendência dos jornalistas para os ignorarem, eliminando à partida qualquer interactividade entre as partes.
O trabalho - intitulado "Jornalismo online: problemas técnicos e deontológicos (Estudo de um caso: os comentários dos leitores às notícias sobre a Fundação Jorge Álvares no Expresso Online, em 2000)" e apresentado em Dezembro como dissertação de fim do curso de pós-graduação em Jornalismo do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e da Escola Superior de Comunicação Social - deverá ser editado em livro neste ano.

COMPUTADORES - Como se interessou por analisar a questão do jornalismo "on-line", partindo do exemplo concreto dos comentários "on-line" à criação da FJA?
É a convergência de dois factores: o interesse por Macau - é em 2000 que há todo o desenvolvimento do caso da FJA, fundação criada em Dezembro de 1999, na véspera da transição, mas de que se só se tem conhecimento em Janeiro de 2000. Acompanhei essa história como jornalista e por todo o impacto que teve na versão "on-line" do "Expresso". Por outro lado, em 2000, decidi frequentar um curso de pós-graduação em jornalismo, de cuja avaliação final constava obrigatoriamente a apresentação de um trabalho, uma dissertação.
Tive que apresentar aos responsáveis pelo curso uma proposta de tema a ser estudado, analisado, aprofundado, e esse foi um dos temas que escolhi. Achei que era sobre uma área muito mal ou quase nada estudada, o jornalismo "on-line" - até porque o jornalismo "on-line" é muito recente, nomeadamente em Portugal. Não conheço nenhum estudo de caso sobre o "on-line" - noutros países, conheço, evidentemente - mas, ao que sei e me disseram, estava a ser relativamente inédito.

Refere a tendência para diminuir as distâncias pela Net. Isso funciona em termos de jornalismo "on-line"?
Essa é uma das dimensões do trabalho que achei interessante, o comprovar que o "on-line" desfaz ou ultrapassa as fronteiras físicas e geográficas espaciais. Sabíamos isso em tese mas, na prática, verifiquei que é assim mesmo. É pena que, como a esmagadora maioria das mensagens são anónimas, sem qualquer referência ao local de onde foram emitidas, fosse completamente impossível fazer esse estudo mas percebe-se pelo tipo de assinatura das mensagens (apesar de serem anónimas) que uma fatia muito razoável - pelo menos um terço, seguramente - vieram de Macau, o que é natural: o assunto dizia-lhes respeito e foi onde a questão teve mais impacto.
Por outro lado, encontrei cerca de duas dezenas de mensagens provenientes de outros países que aparentemente não têm a ver com o assunto, só na medida em que são países que foram acolhendo a diáspora macaense: o Canadá, evidentemente, o Brasil, Reino Unido, Hong Kong. É interessante, em todo caso, que haja pelo menos dois países onde existem importantes comunidades macaenses mas que não participaram nesta espécie de fórum: os EUA e a Austrália, países onde a Net está muito disseminada e politizada.

As opções interactivas serão diminutas no "Expresso", critica a falta de fóruns, como os temáticos, sondagens, "live chats", elementos multimédia, existentes noutros jornais. Os jornais precisam disto?
Os jornais só têm a beneficiar se apostarem a sério em explorar as inúmeras potencialidades da Net, cujos imensos recursos podem ser extremamente úteis - na ligação dos jornalistas aos seus leitores e no seu conhecimento, na participação dos leitores no jornal. Fui descobrindo essas enormes potencialidades à medida que ia fazendo esta investigação, lendo e entrando em contacto, tomando conhecimento de outras experiências e de outros órgãos de comunicação.
A tomada de consciência editorial por parte dos responsáveis do "Expresso" de que estávamos a cair no reino do anonimato e da desresponsabilização levou o jornal e outros órgãos de informação a alterar a situação e a pôr algumas limitações a essa participação. Por um lado, todos os leitores têm de se registar previamente, o que permite um certo controlo. O segundo é a introdução de filtros, impedindo a utilização de certas palavras ou expressões - claro que há formas de fugir aos filtros mas, apesar de tudo, há essa preocupação no "Expresso". O terceiro é, se calhar, o mais eficaz: o acesso pago. O "Expresso" é pioneiro em Portugal, pelo menos nos jornais, e desde Janeiro que o acesso ao "on-line" é pago e só lê quem paga.

Agora os jornalistas lêem mais os comentários? Lê mais, no seu caso?
Não, fiquei vacinado. Os 730 comentários, tive de lê-los todos, são milhares, alguns são quatro, cinco páginas, aquilo tudo somado...

Porquê advogar mais opções interactivas para os jornais se os próprios jornalistas os recusam, não contribuindo para a aproximação com o leitor?
Nesta forma totalmente aberta e sem limites, a conclusão a que cheguei é que não aproxima coisa nenhuma. Se calhar, antes pelo contrário: o jornalista passa a reagir também ele de forma epidérmica e rejeita automaticamente aquele tipo de mensagens. É verdade que há muitas outras experiências, sobretudo nos EUA, que mostram que, noutras condições, responsabilizando mais o leitor, exigindo-lhe a identificação, a participação funciona, é real, é efectiva.
Os investigadores e os jornalistas que têm sido abordados nessas investigações reconhecem que isso se tem reflectido positivamente no seu trabalho, é uma realidade. Alguns dizem que a participação dos leitores lhes dá muitas sugestões para as suas colunas de opinião, sobre assuntos a abordar, sobre as formas de o fazer e mesmo informações. Uma das minhas abordagens foi o tipo de pistas temáticas, fornecidas pelos leitores, relacionadas com Macau, que os leitores deram e escreveram.

Nesse caso, o anonimato faz sentido?
É bem-vindo, inevitável, lógico, natural. Não podemos impedir que o leitor se refugie no anonimato no caso da denúncia, em situações de protesto. Se ele não existisse, não haveria denúncias, não haveria protestos.

Porquê criticar o anonimato dos leitores quando os jornalistas usam e abusam das fontes anónimas?
Também abordo o tipo de críticas que os leitores fazem aos jornalistas. Para além daquelas a roçar o insulto, a ofensa e a difamação, há outro tipo de críticas muito interessantes e incidem basicamente sobre três assuntos: um é sobre a independência económica dos jornais - neste caso, do "Expresso" perante uma realidade, um facto, que é Macau e onde durante anos e anos correu e continua a correr muito dinheiro.
A segunda questão é a dos títulos: há alguns leitores a criticarem com fundamento, com razoabilidade, a titulação de algumas peças por não condizerem com o texto, com o conteúdo, por serem mais opinativos, não se limitarem a ser informativos, etc.
A terceira crítica, também muito interessante, é o recurso às fontes anónimas. É uma crítica feita com justeza a muitos jornais portugueses e não só: a utilização abusiva, para não dizer sistemática, das fontes anónimas. Os leitores não são estúpidos, percebem isso e detectaram com enorme frequência, no caso da FJA, o recurso a essas fontes, denunciaram isso e criticaram. Fiz uma análise de todos os artigos em que há leitores a insurgirem-se contras as fontes anónimas e, de uma maneira geral, o leitor tem razão.

Ao não lerem os comentários dos leitores, não estarão os jornalistas a fugir ao confronto com eles?
Acho que corremos esse risco mas é inevitável se se mantiver aquilo que refiro como reino do anonimato. Pessoalmente, como alguns dos meus colegas, comecei por achar algum interesse, alguma piada, alguma curiosidade perante os primeiros comentários; mas, depois, perante tantos sempre anónimos, temos outras coisas para fazer, não vale a pena darmos valor a leitores que se refugiam sistematicamente no anonimato, ainda por cima para fazerem críticas muitas vezes ofensivas e obscenas.

Mas não há, nos jornais, falta de espaço para a opinião dos leitores?
O fenómeno da Net deve levar-nos a tentar perceber porque é que nos média tradicionais não há tanta participação dos leitores. A Net demonstra que há uma enorme apetência, vontade, disponibilidade dos leitores para terem voz, darem sugestões, criticarem, opinarem - e porque é que isso não se traduz nos meios mais tradicionais? Nós, que trabalhamos nesses média, se calhar, temos algumas responsabilidades; se calhar, temos estado relativamente surdos a esse grande desejo de participação e isso deveria fazer-nos pensar. Basta ver o sucesso que têm os fóruns radiofónicos: as pessoas ficam à espera para participarem. Na imprensa escrita, isso não se sente tanto mas não é certamente por os leitores não quererem participar. É claro que os meios são diferentes, o espaço é menor, os próprios passos para a pessoa participar num jornal: tem que escrever, meter a carta no envelope, ir aos correios, pagar o selo ou ir ao jornal...

...ou enviar por E-mail...
Acho que, neste momento, a origem da maior parte da correspondência dos leitores não é tanto por carta de papel mas por E-mail, o que revela uma grande vontade dos leitores de participarem que, porventura, os jornais não abriram as suas portas, não acolheram.


Leitores Anónimos e Jornalistas Desinteressados
P.F.
Qual a metodologia usada neste trabalho? Os autores dos comentários no Expresso Online presumiam estar a fazê-lo para um fim: pediu-lhes para usar os dados ou assumiu que eram públicos?
A Net é um meio de comunicação social como outro qualquer, como a televisão, os jornais, e, portanto, faz parte do espaço público. A Net é uma esfera pública, talvez a mais pública de todas, aquela em que, de facto, a interactividade realmente pode funcionar. É uma das grandes virtudes da Net.
Contactei todos os autores de mensagens identificadas, entendendo como identificação um nome verosímil - o Zé dos Anzóis não era para mim verosímil, era obviamente um pseudónimo e havia muitos pseudónimos desse género -, acompanhado de um endereço electrónico. Contactei as 46 pessoas com identificação completa, das quais algumas autoras de várias mensagens, pelo que esse número desce para 37, num universo de 730 mensagens emitidas. Depois, fiz uma descoberta fantástica: apenas oito responderam, assumiram a autoria da mensagem e a autenticidade da sua assinatura electrónica.

Como explica isso?
Acho que só os sociólogos e os homens da psicologia social poderão responder. A verdade é que as pessoas preferem não dar o nome, não dar a cara - há quem diga que a cultura da Net é mais que anárquica, há uma cultura de desresponsabilização, sobretudo quando são leitores que comentam artigos assinados por jornalistas e criticam os jornalistas e, às vezes, até os insultam e aos seus familiares. Seria de esperar que assumissem as críticas: parte das quais são lógicas, concretas, pontuais, bem-vindas (estou a falar como jornalista). Uma das consequências disso é que os jornalistas - e esse é um outro trabalho estatístico que fiz, com todos os 12 jornalistas que escreveram sobre esta temática, entre jornalistas e colaboradores -, e uma pergunta que fiz a todos eles foi para saber até que ponto havia uma verdadeira interactividade na Net, isto é, se liam os comentários dos seus leitores...

... e descobriu que não.
O que é espantoso: dos 12 jornalistas, apenas cinco leram os comentários aos seus artigos e nenhum respondeu. Porque são críticas anónimas e porque, em geral, são ou superficiais ou claramente na área da difamação, do insulto ou da ofensa. Os jornalistas, perante comentários anónimos e ofensivos, preferem não os levar em conta e muito menos responder.

Pelo contrário, os jornalistas olham mais para o correio normal. Porquê?
Porque dão mais valor e importância à correspondência tradicional, às críticas tradicionais feitas por carta, por escrito...

... que também podem ser anónimas!
A maior parte não são. Evidentemente que as há, mas, na maior parte, são assumidas, são assinadas, com nome e local de residência; e, por outro lado, são críticas muito mais cordatas, não são ofensivas, são muito mais construtivas. É um outro tipo de leitor.

Alguns dos leitores assinaram com nomes públicos conhecidos, como PGR (Procurador-Geral da República). Mesmo nesses casos, não merecem uma resposta?
Provavelmente, porque o jornalista já optou quase por não dar demasiada importância aos comentários dos leitores.

Então para quê tê-los?
Essa é uma boa pergunta.

23.9.03

I Encontro Nacional de Weblogs
Braga, 18-19 Setembro 2003
Weblogs, jornalismo e comunicação
Pedro Fonseca (ContraFactos & Argumentos)

Blogues e jornalismo: do produtor ao consumidor

Para começar, digo desde já que não existem blogues jornalísticos em Portugal. Falar de jornalismo nos blogues é apenas - e com algum esforço - tentar encontrar alguns textos que configuram a prática jornalística.

Em Portugal, os blogues ainda não são uma alternativa aos meios de comunicação social. A maior parte deles "alimenta-se" da comunicação social para aprofundar os temas abordados, raramente validando a sua veracidade e apostando quase sempre na forma opinativa.

Assim, os blogues apenas são um dos lados do jornalismo - aquele que ocupa certos profissionais do jornalismo, directores de jornais, políticos e outros -, o lado da opinião. Mas falta a informação, confirmada. Essa continua a ser fornecida nas suas formas tradicionais.

Não se nega que possam surgir blogues jornalísticos mas eles ainda não fazem parte da blogosfera nacional.

Antes, para clarificar conceitos, três explicações:

1. Definição de jornalismo: "uma prática social mediadora entre os eventos que ocorrem no nosso dia-a-dia, no mundo, e o público, que tem deles uma leitura, um entendimento, a partir dos factos divulgados pela imprensa".
Alexandre Freire, doutorado em jornalismo e filosofia política na University of Wales College of Cardiff, in "Jornalismo público, 'publijornalismo' e cidadania"

1.a Definição de imprensa: são "todas as reproduções impressas de textos ou imagens disponíveis ao público, quaisquer que sejam os processos de impressão e reprodução e o modo de distribuição utilizado".
Lei de Imprensa, Lei n.º 2/99, Artigo 9.º

1.b Definição de jornalista: "aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação informativa pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por outra forma de difusão electrónica".
Estatuto do Jornalista, Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro

Pouco nas duas primeiras definições impede um blogue de ser jornalismo ou imprensa mas quantos dos seus autores estão dispostos a tê-lo como ocupação principal, permanente e - não esquecer - remunerada?

Nesse sentido, proponho uma bateria de perguntas e dúvidas à famosa questão da tão falada "ameaça" do jornalismo aos blogues (a aparente esquizofrenia das perguntas corresponde a diferentes abordagens):

1) Existe algum "blogger" com disponibilidade, meios de produção e vertente comercial, capaz de seguir códigos, deontológicos e legais, e estar prevenido com um bom advogado, que queira lançar um blogue jornalístico?

2) Quando os meios de produção dos blogues não pertencem aos seus autores e a maioria nem sequer paga as ferramentas disponíveis, optando por ter publicidade cujo pagamento não reverte a favor da qualidade (ou falta dela) dos seus textos, está alguém disposto a apenas controlar a sua produção intelectual?

3) O que significam em termos sociais e culturais 2000 blogues, mesmo com uma leitura cinco vezes maior, perante jornais como o Público ou o DN, lidos por mais de 100 mil pessoas?

4) Os blogues não são o banho de água fria que os media necessitavam, adormecidos durante anos em posições arrogantes perante a crescente fraca qualidade no serviço prestado?

5) Os blogues são a personalidade forte que falta em muitos jornalistas e que derivou numa maior preponderância mediática dos colunistas?

6) Aceitam-se blogues mal escritos e pouco editados, defendendo que revelam mais sobre a personalidade do "blogger", enquanto em tantos anos de jornalismo ninguém apelou a esta expressão da personalidade dos jornalistas e, pelo contrário, se apontam as gralhas nos jornais?

7) Num blogue, os comentários são as modernas "cartas ao director". Mas, diferente destas, apenas se podem filtrar "a posteriori", pelo que qualquer difamação pode ali ser escrita, de forma anónima. O responsável do blogue aceita ser responsável pelo escrito? A justiça tenderá a dizer que sim...

8) Devem os blogues profissionais estar abrangidos pelo direito de resposta, ficando obrigados a disponibilizar com o mesmo destaque qualquer desmentido de um visado?

9) A recorrente utilização de estagiários nas redacções não contribui para aumentar o número de "bloggers" descontentes com os media?

10) Os blogues não estão a fazer o papel de "fact-checking", de validação posterior das fontes, usual nos jornais nos Estados Unidos mas inexistente em Portugal?

11) Quem era capaz de editar em livro as suas prosas bloguísticas? Que me lembre, apenas o Abrupto avançou com essa ideia...

12) Quem duvida que estamos numa nova era, em que o consumidor de notícias pode também ser produtor?

13) Quem se dispõe a olhar para isto com um novo olhar sociológico, cultural? Não serão nem os jornalistas nem os "bloggers", imersos interiormente nesta tendência e sem capacidade de análise externa...

14) Os jornalistas estão abrangidos por vários códigos, um dos quais, o deontológico, que visa garantir a transparência com os leitores e com os visados nas notícias. O ponto 1 desse código diz que "o jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público".
Quantos dos blogues actuais seguem esta primeira de 10 regras básicas para o jornalismo?

15) E devem os blogues seguir as regras jornalísticas? Possivelmente não mas têm de as cumprir se querem equiparar-se à actividade jornalística...

16) Pode-se defender o direito de autor e ao mesmo tempo disponibilizar imagens ou sons num blogue sem a indicação do autor ou sequer da obra de onde foram copiados esses conteúdos?

17) Pode-se defender o fim do anonimato e citar fontes anónimas?

18) Há alternativas para blogues profissionais que apenas se podem pagar tendo publicidade ou pelo pagamento dos seus leitores? No primeiro caso, o "blogger" tem de arranjar quem lhe trate dessa vertente comercial porque ela é incompatível com a actividade de jornalista. No pagamento directo dos leitores, obriga-o a adoptar uma ferramenta tecnológica para gerir os pagamentos de que poucos jornais portugueses dispõem (ex.: Expresso).

19) Como pode um "blogger" profissional defender as suas audiências para obter mais vantagens comerciais quando não existem ferramentas fiáveis para registar o número de leitores? E saberá ele que quantos mais leitores tiver, mais terá de pagar ao fornecedor de acesso à Internet para ter disponível mais largura de banda?

20) Assumindo que as hiperligações nos blogues são as citações nos jornais, pelo que não é necessário avisar os autores do texto que é referenciado, o que pode suceder ao autor do blogue quando a fonte original difama ou comete outro tipo de crime punido judicialmente?

21) Que tribunal deve julgar o caso de um "blogger" nacional que ofende um cidadão francês ou inglês num texto albergado num servidor norte-americano, como o Blogger?

22) Porque são principalmente os jornalistas ou os relacionados com a comunicação jornalística que mais vezes levantam questões sobre a prática dessa profissão dentro e fora da blogosfera?

23) Porque é que O Meu Pipi ou o Muito Mentiroso são mais acedidos [e têm mais comentários] do que outros blogues mais "sérios"?

24) No futuro, os "moblogs" vão ser uma ameaça à privacidade mas antes não o serão também os "audioblogs", com gravações [sonoras] efectuadas pelos telemóveis?

25) Uma ressalva sobre o jornalismo nos blogues nacionais: casos como o Socio[B]logue não são jornalismo científico? [E, como lembrou a audiência, a formiga de langton ou o Médico Explica Medicina a Intelectuais?]

26) A quem pertencem os arquivos num blogue, ao autor ou ao serviço que os alberga? [E, como foi debatido, os comentários?]

27) Há alguma razão substantiva para as críticas ao jornalismo nos blogues serem dirigidas primeiro à televisão, de seguida à imprensa escrita e depois à rádio, notando-se que é precisamente a hierarquia dos medias com mais audiência?

28) Pode-se comparar a actividade de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos e notícias com a emissão pública de opiniões, como se faz diariamente nos blogues?

29) Os "bloggers" são jornalistas ou, pelo contrário, melhores e mais bem preparados críticos do jornalismo?

30) A "inteligência colectiva", proposta pelos blogues que tantas vezes se citam em circuito fechado, existe mesmo ou não passa de uma falácia?

31) Tal como muito do jornalismo actual é lixo, a blogosfera não acompanha essa percentagem?

32) Os blogues têm mais a ver com o jornalismo ou com um livro de apontamentos de casos reais diários e pessoais que pouco tem a ver com jornalismo?

33) Porque é que muitos blogues bem sucedidos no estrangeiro, principalmente nos Estados Unidos, são mantidos por jornalistas?

34) Após os veementes discursos nos blogues nos acontecimentos pós-11 de Setembro de 2001, muitos deles descontentes com o que liam e viam nos media tradicionais, os blogues são uma nova revolução nos media ou antes o desespero de uma sociedade para ser ouvida junto dos poderes, do chamado "quarto poder" ou de outros?

Quanto a mim, em resumo:
- o facto de os blogues serem uma forma de vigilância saudável ao jornalismo não os transforma em si mesmos em jornais;
- tal como os "bloggers", também os jornalistas são humanos e erram (alguns erram vezes demais, é verdade...). Os jornais têm mecanismos de recuperação da qualidade, como as cartas ao director ou o direito de resposta, que muitos blogues não dispõem;
- tal como sucede nos jornais, uma quantidade de blogues não é sinónimo de qualidade;
- blogues e jornalismo não colidem entre si, antes se re-alimentam;
- a evolução para blogues verdadeiramente jornalísticos só pode ser saudada com vigor mas ainda se está longe;
- os blogues não provocam um excesso de informação porque alinham no excesso da opinião. Isso não é jornalismo.
- concordo e constato como blogger e como jornalista, usando palavras de Dan Gillmor - que "os meus leitores sabem mais do que eu. Isso não é uma ameaça, é uma oportunidade".

Não tenho dúvidas de que está longe, em Portugal, a visão de Rebecca Blood de que "juntos, os 'bloggers' são um perigo para empresas, governos e militares porque podem agrupar-se segundo os seus próprios critérios". Nesse sentido, eles são ainda menos uma ameaça aos jornais do que um complemento saudável e democrático de expressar opiniões. Quem sabe, num futuro breve, queiram investigar e relatar o que muitos jornais, televisões ou rádios não fazem, não podem ou não querem fazer.

A comunicação sempre funcionou com utopias e concretizou-as: Gutenberg iniciou a imprensa com a edição da Bíblia; o cinema teve o visionário Méliès e as suas ficções científicas, a rádio apadrinhou uma "Guerra dos Mundos" de Orson Welles; a televisão mostrou o homem na Lua.

Neste campo, os blogues não demonstraram nada até hoje. Assumirem-se como concorrência da comunicação social é um sonho, não uma utopia.